A gestação é um período de intensas alterações hormonais, sendo a tireoide um dos órgãos mais afetados.
Síndromes tireoidianas na gestação podem complicar o curso da gestação e ter efeitos adversos significativos tanto para a mãe quanto para o feto. A avaliação e o manejo adequados são essenciais para reduzir riscos e melhorar os desfechos clínicos.
Alterações fisiológicas da tireoide na gestação
Durante a gravidez, ocorrem adaptações fisiológicas na função tireoidiana devido à ação de hormônios gestacionais:
Aumento da gonadotrofina coriônica humana (hCG):
A hCG possui uma estrutura similar ao TSH, estimulando a produção de hormônios tireoidianos, especialmente no primeiro trimestre.
Esse estímulo adicional pode reduzir levemente os níveis de TSH, que podem ficar abaixo do limite inferior em algumas gestantes saudáveis.
Aumento da globulina ligadora de tiroxina (TBG):
O estrogênio eleva a produção de TBG, resultando em maior ligação de hormônios tireoidianos na circulação.
Esse aumento demanda uma produção maior de tiroxina (T4) para manter a homeostase hormonal.
Metabolismo fetal:
A tireoide fetal começa a funcionar a partir do segundo trimestre, mas, até então, o feto depende dos hormônios tireoidianos maternos, essenciais para o desenvolvimento neurológico e esquelético.
Principais síndromes tireoidianas na gestação
1. Hipotireoidismo na gravidez
O hipotireoidismo é caracterizado por uma produção insuficiente de hormônios tireoidianos (T4 e T3) e elevação do TSH. Na gravidez, pode ser subclínico ou clínico, dependendo da elevação dos níveis de TSH e da presença de sintomas.
Causas
Doença de Hashimoto: Principal causa de hipotireoidismo na gravidez, sendo uma condição autoimune que leva à destruição da glândula tireoide.
Deficiência de iodo: Em algumas regiões, a deficiência de iodo contribui para a baixa produção de T4. No Brasil, por lei, é garantido o acesso ao sal iodado, o que evita essa complicação na maioria absoluta das regiões do país.
Sintomas
Cansaço extremo
Constipação
Intolerância ao frio
Pele seca e cabelos quebradiços
Complicações
Maternas: Aumento do risco de pré-eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta, anemia gestacional e hemorragia pós-parto.
Fetais: Risco de retardo no desenvolvimento neurológico, baixo peso ao nascer e parto prematuro.
Diagnóstico
TSH e T4 Livre: Níveis elevados de TSH e baixos de T4 livre indicam hipotireoidismo clínico. No hipotireoidismo subclínico, apenas o TSH está elevado.
Anticorpos Anti-TPO: Podem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico.
Tratamento
Levotiroxina: O tratamento é realizado com reposição de levotiroxina, ajustada de acordo com os níveis de TSH.
Abaixo, segue tabela de tratamento empírico para hipotireoidismo subclínico gestacional:
Valor de TSH | Conduta |
< 2,5μUI/mL | Normal |
≥ 2,5μUI/mL < 4μUI/mL | Solicitar Anti-TPO |
≥ 4μUI/mL | Iniciar Levotiroxina 50mcg MID empírico |
Importante frisar a necessidade de acompanhamento e ajustes constantes. Esse guia foi feito para garantir uma conduta imediata em consultório e espera um seguimento mais completo e mais aprofundado do profissional médico e não exclui uma avaliação ou consulta profissionais.
Monitoramento regular: O TSH deve ser monitorado a cada 4-6 semanas para ajuste de dose.
2. Hipertireoidismo na gestação
O hipertireoidismo é caracterizado pela produção excessiva de hormônios tireoidianos e supressão do TSH.
Causas
Doença de Graves: A causa mais comum de hipertireoidismo na gestação, sendo uma condição autoimune em que anticorpos estimulam a tireoide.
Tireoidite gestacional transitória: Associada a altos níveis de hCG, que estimulam a tireoide no início da gravidez.
Sintomas
Taquicardia
Perda de peso
Ansiedade
Tremores
Intolerância ao calor
Complicações
Maternas: Risco de pré-eclâmpsia, insuficiência cardíaca e crise tireotóxica.
Fetais: Risco de restrição de crescimento, parto prematuro e bócio fetal.
Diagnóstico
TSH, T4 e T3 Livre: Níveis baixos de TSH e altos de T4 e/ou T3 confirmam o diagnóstico.
Anticorpos TRAb: Indicados para confirmar a doença de Graves, principalmente quando há suspeita de complicações fetais.
Tratamento
Propiltiouracil (PTU): Usado no primeiro trimestre, possui menor risco de efeitos teratogênicos.
Metimazol: Alternativa possível no segundo e terceiro trimestres.
Cirurgia: Raramente necessária, mas pode ser considerada se o tratamento medicamentoso for ineficaz.
3. Tireoidite pós-parto
A tireoidite pós-parto é uma condição autoimune que pode ocorrer dentro de um ano após o parto e apresenta fases de hipertireoidismo e hipotireoidismo.
Sintomas
Hipertireoidismo transitório: Palpitações, irritabilidade e perda de peso.
Hipotireoidismo: Fadiga, constipação e depressão.
Diagnóstico
TSH, T4 e T3: Alternância entre níveis altos e baixos, dependendo da fase da doença.
Anticorpos Anti-TPO: Frequentemente presentes em mulheres com tireoidite autoimune.
Tratamento
A fase de hipertireoidismo geralmente não requer tratamento específico. O hipotireoidismo, se sintomático, pode ser tratado com levotiroxina.
4. Nódulos tireoidianos e câncer de tireoide na gestação
Nódulos tireoidianos detectados na gravidez devem ser investigados cuidadosamente, uma vez que cerca de 5-10% podem ser malignos. A avaliação do nódulo inclui ultrassonografia e, em alguns casos, punção aspirativa por agulha fina (PAAF).
Conduta
Nódulos Suspeitos: A cirurgia pode ser adiada para após o parto, exceto em casos de alta suspeita.
Monitoramento: Ultrassonografia a cada trimestre para avaliar crescimento do nódulo.
Considerações no monitoramento e no tratamento das disfunções tireoidianas na gestação
O manejo das disfunções tireoidianas na gravidez requer ajustes frequentes na medicação e acompanhamento contínuo dos níveis hormonais:
Avaliações mensais: Recomenda-se verificar o TSH e T4 a cada 4 a 6 semanas.
Ajustes na dosagem de Levotiroxina: Em gestantes com hipotireoidismo pré-existente, a dosagem de levotiroxina é geralmente aumentada em 30% a 50% logo no início da gravidez.
Interrupção segura de antitireoidianos: Nos casos de hipertireoidismo, a descontinuação dos medicamentos deve ser feita gradualmente após o parto.
Impacto das disfunções tireoidianas no feto e na criança
Os hormônios tireoidianos maternos são fundamentais para o desenvolvimento neurológico fetal, especialmente no primeiro trimestre.
A falta ou excesso desses hormônios pode ter consequências duradouras, como:
Hipotireoidismo materno não tratado: Pode estar relacionado dificuldades de aprendizado e desenvolvimento cognitivo prejudicado na criança.
Hipertireoidismo materno não tratado: Pode resultar em restrição de crescimento intrauterino e complicações neonatais.
Estratégias de prevenção e educação em saúde
1. Suplementação de Iodo
A suplementação adequada de iodo é fundamental para evitar o hipotireoidismo em áreas com deficiência desse nutriente.
2. Rastreamento precoce
Realizar rastreamento de disfunções tireoidianas em gestantes de alto risco (ex.: histórico familiar de doença autoimune) pode permitir o diagnóstico precoce.
3. Educação e suporte à gestante
Orientar sobre a importância do acompanhamento regular e da adesão ao tratamento é essencial para evitar complicações.
O manejo adequado das síndromes tireoidianas na gravidez requer uma abordagem multidisciplinar que inclui monitoramento regular dos níveis hormonais e ajustes no tratamento.
A identificação precoce e o acompanhamento contínuo dessas condições são fundamentais para garantir o bem-estar da mãe e do feto, evitando complicações a curto e longo prazo.