A Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF) é uma complicação grave que ocorre exclusivamente em gestações gemelares monocoriônicas, caracterizada por um desequilíbrio no fluxo de sangue entre os fetos devido à comunicação anormal nos vasos da placenta compartilhada.
Essa condição, se não tratada, pode levar a complicações graves, incluindo morte fetal e neonatal.
Neste post, discutiremos:
O que é a STFF e como ela ocorre.
Suas causas e fatores de risco.
Os sinais clínicos e métodos diagnósticos.
O manejo clínico e os desfechos.
O que é a síndrome de transfusão feto-fetal?
A STFF ocorre quando há um fluxo de sangue desequilibrado entre os gêmeos em uma gestação monocoriônica, devido à presença de anastomoses placentárias (conexões vasculares entre as circulações fetais).
Essas anastomoses podem ser:
Arteriovenosas (AV): Conexões entre uma artéria de um gêmeo e uma veia do outro.
Arterioarteriais (AA) ou Venovenosas (VV): Menos comuns, mas podem influenciar a condição.
O gêmeo que doa sangue é chamado de doador, enquanto o que recebe sangue em excesso é o receptor.
Fisiopatologia
Desequilíbrio no fluxo sanguíneo
O doador transfere sangue continuamente para o receptor, resultando em:
Doador: Hipovolemia, oligodrâmnio, crescimento restrito.
Receptor: Hipervolemia, polidrâmnio, risco de insuficiência cardíaca.
Líquido amniótico
O desequilíbrio no volume de sangue afeta a produção de líquido amniótico:
Doador: Produz pouco líquido (oligodrâmnio).
Receptor: Produz muito líquido (polidrâmnio).
Deterioração progressiva
Sem intervenção, os gêmeos podem evoluir para insuficiência cardíaca, hidropsia fetal e óbito.
Fatores de risco
A STFF ocorre exclusivamente em:
Gestações monocoriônicas: Onde os gêmeos compartilham uma única placenta.
Anastomoses placentárias: São encontradas em todas as gestações monocoriônicas,
onde apenas 10 a 15% evoluem para STFF.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito com base na história obstétrica, ultrassonografia e exames complementares.
1. História clínica
A gestante pode relatar desconforto abdominal devido ao polidrâmnio do receptor.
Aumento rápido do volume uterino pode ser um sinal de alerta.
2. Ultrassonografia obstétrica
O exame de escolha para diagnóstico e classificação da STFF.
Critérios diagnósticos:
Monocorionicidade: Confirmada pela presença de uma única placenta e sinal de "T" na ultrassonografia inicial (o sinal do "T" indica gestação monocoriônica-diamniótica).
Discordância no volume de líquido amniótico:
Doador: Bolsa vertical máxima < 2 cm (oligodrâmnio).
Receptor: Bolsa vertical máxima > 8 cm antes de 20 semanas ou > 10 cm após 20 semanas (polidrâmnio).
Diferença no crescimento fetal: Gêmeo doador frequentemente apresenta restrição de crescimento.
3. Classificação de Quintero
A gravidade da STFF é avaliada pelo sistema de Quintero:
Estágio | Descrição |
I | Discordância no líquido amniótico, mas com fluxo Doppler normal. |
II | Ausência de bexiga visível no doador, fluxo Doppler ainda normal. |
III | Fluxo Doppler anormal (ex.: fluxo reverso na artéria umbilical ou ducto venoso). |
IV | Sinais de hidropsia fetal em um ou ambos os gêmeos. |
V | Óbito de um ou ambos os gêmeos. |
Complicações
A STFF pode causar complicações graves tanto para o doador quanto para o receptor:
1. Complicações no doador
Restrição de Crescimento Intrauterino (CIUR).
Insuficiência placentária.
2. Complicações no receptor
Polidrâmnio excessivo, aumentando o risco de parto prematuro.
Hipervolemia e insuficiência cardíaca.
Hidropsia fetal.
Manejo clínico
O manejo da STFF depende da gravidade, da idade gestacional e das condições clínicas dos gêmeos.
1. Conduta expectante
Para casos leves (estágio I de Quintero).
Monitoramento ultrassonográfico semanal ou quinzenal para avaliar progressão.
2. Intervenções terapêuticas
A. Amniocentese redutora
Indicada para reduzir o volume de líquido amniótico no receptor e aliviar a pressão uterina.
Temporária, mas pode melhorar o prognóstico em casos leves.
B. Ablação a laser das anastomoses placentares
Tratamento de escolha em casos moderados a graves (estágios II-IV).
Objetivo: Interromper as comunicações vasculares anormais.
Taxa de sobrevivência de pelo menos um gêmeo em 80-85% dos casos tratados.
C. Transfusão intrauterina
Indicada em casos de anemia fetal grave no doador.
D. Parto prematuro
Indicado em casos de deterioração fetal, geralmente após 32-34 semanas.
3. Cuidados pós-natais
Monitorar os neonatos para complicações relacionadas à prematuridade e hemólise.
Avaliação neurológica para descartar sequelas.
Prognóstico
O prognóstico depende do estágio da síndrome e do tratamento:
Sem tratamento: Taxa de mortalidade de 80-90%.
Ablação a laser: Sobrevivência de pelo menos um gêmeo em 80-85% dos casos.
Prematuridade: Principal fator que influencia o desfecho neonatal.
A Síndrome de Transfusão Feto-Fetal (STFF) é uma complicação obstétrica grave que exige diagnóstico precoce e manejo especializado.
O tratamento com ablação a laser das anastomoses placentárias revolucionou os desfechos para essas gestações, reduzindo significativamente a morbimortalidade.
O acompanhamento cuidadoso por uma equipe multidisciplinar é essencial para garantir os melhores resultados para os gêmeos e a mãe.