A isoimunização Rh, também chamada de alossensibilização Rh ou simplesmente sensibilização Rh, é uma complicação imunológica que ocorre quando uma gestante Rh-negativa é exposta a hemácias fetais Rh-positivas.
Essa exposição leva à produção de anticorpos maternos contra o antígeno D, presentes nas hemácias fetais, podendo causar complicações graves, como anemia hemolítica fetal e doença hemolítica do recém-nascido (DHRN).
Neste artigo, discutiremos:
A fisiopatologia da isoimunização Rh.
Suas causas e fatores de risco.
O diagnóstico e o acompanhamento.
O manejo clínico e estratégias de prevenção.
O que é a Isoimunização Rh?
A isoimunização Rh ocorre quando a gestante Rh-negativa entra em contato com hemácias Rh-positivas (geralmente fetais) e desenvolve anticorpos anti-D.
Esses anticorpos podem atravessar a placenta e destruir as hemácias do feto em gestações subsequentes, resultando em anemia hemolítica fetal.
Fisiopatologia
Exposição inicial:
Durante a gestação ou o parto, pequenas quantidades de sangue fetal podem entrar na circulação materna. Isso é chamado de hemorragia fetomaterna.
Produção de anticorpos:
A mãe Rh-negativa reconhece o antígeno D das hemácias fetais Rh-positivas como um invasor, ativando o sistema imunológico e produzindo anticorpos IgG anti-D.
Reexposição e resposta imunológica:
Em gestações subsequentes, os anticorpos maternos anti-D atravessam a placenta e destroem as hemácias fetais Rh-positivas, levando à anemia fetal.
Complicações fetais:
A destruição das hemácias pode causar hidropisia fetal, insuficiência cardíaca e doença hemolítica grave do recém-nascido.
Causas e fatores de risco
1. Causas de exposição ao antígeno Rh
Gestação anterior com feto Rh-positivo: Principal causa de sensibilização.
Transfusões de sangue incompatíveis: Administração de sangue Rh-positivo a uma mulher Rh-negativa.
Eventos obstétricos: Como amniocentese, biópsia de vilosidades coriônicas, descolamento prematuro de placenta ou traumas abdominais.
2. Fatores de risco
Ausência de profilaxia Anti-D: Em mulheres Rh-negativas não imunizadas.
Multiparidade: O risco aumenta com cada gestação subsequente sem profilaxia.
Procedimentos invasivos: Como amniocentese e procedimentos cirúrgicos intraútero.
Diagnóstico
O diagnóstico da isoimunização Rh envolve identificar a sensibilização materna, avaliar o risco fetal e monitorar o impacto da doença.
1. Triagem sorológica materna
Teste de Coombs indireto:
Detecta a presença de anticorpos anti-D no sangue materno.
Resultados:
Negativo: A paciente não está sensibilizada.
Positivo: Indica sensibilização.
Título crítico: Um título de anticorpos ≥ 1:16 é associado a risco de doença hemolítica fetal.
2. Avaliação fetal
A. Ultrassonografia obstétrica
Avaliação para sinais de hidropsia fetal:
Edema subcutâneo.
Derrame pleural ou pericárdico.
Ascite.
B. Doppler de Artéria Cerebral Média (ACM)
Detecta anemia fetal ao avaliar o aumento da velocidade do fluxo sanguíneo.
Valores aumentados (ver calculadora!) são indicativos de anemia moderada a grave.
C. Amniocentese
Avalia a bilirrubina no líquido amniótico (método de Liley).
Indicada em casos específicos onde o Doppler não é conclusivo.
D. Cordocentese
Realizada para confirmar a anemia fetal e medir o hematócrito e a bilirrubina fetal.
Complicações
1. Doença Hemolítica Fetal e Neonatal (DHRN)
Ocorre devido à destruição contínua das hemácias fetais pelos anticorpos maternos.
Manifestações:
Anemia grave.
Hiperbilirrubinemia (icterícia).
2. Morte fetal intrauterina
Em casos graves de hidropsia ou anemia não tratada.
Manejo clínico
O manejo depende do estágio da gravidez, do grau de sensibilização e da presença de complicações fetais.
1. Gestante não sensibilizada
Profilaxia com Imunoglobulina Anti-D (IgG Anti-D):
Administrada em situações de risco de exposição ao sangue fetal:
Após 28 semanas de gestação (profilaxia rotineira).
Após eventos obstétricos de risco (ex.: sangramentos, amniocentese).
Dentro de 72 horas após o parto de um feto Rh-positivo.
Dose: Geralmente 300 µg intramuscular.
2. Gestante sensibilizada
A. Monitoramento
Avaliação seriada dos títulos de anticorpos anti-D.
Doppler da artéria cerebral média (ACM) para detectar anemia fetal.
B. Tratamento da anemia fetal
Transfusão Iintrauterina:
Indicada para fetos com anemia grave.
Realizada via cordocentese, com infusão de hemácias Rh-negativas compatíveis.
Interrupção da gestação:
Em casos de sofrimento fetal, a interrupção pode ser indicada após 34 semanas.
3. Cuidados neonatais
Exsanguineotransfusão:
Indicada para neonatos com anemia grave ou hiperbilirrubinemia.
Fototerapia:
Para tratar icterícia neonatal.
Imunoglobulina Intravenosa (IgIV):
Pode reduzir a hemólise em casos graves.
Prevenção
A prevenção é a chave para evitar a isoimunização Rh.
1. Triagem pré-natal
Determinação do tipo sanguíneo e fator Rh de todas as gestantes no início do pré-natal.
Realizar o teste de Coombs indireto em gestantes Rh-negativas.
2. Profilaxia com Anti-D
28 Semanas de Gestação: Administração rotineira de imunoglobulina anti-D em mulheres Rh-negativas.
Pós-Parto: Administração após o parto de um feto Rh-positivo.
A isoimunização Rh é uma complicação gestacional evitável, mas com potencial de causar desfechos graves se não tratada. O uso rotineiro da imunoglobulina anti-D tem reduzido significativamente a incidência dessa condição.
Para médicos e estudantes, é essencial compreender a fisiopatologia, o diagnóstico e o manejo dessa condição para oferecer o melhor cuidado às gestantes e minimizar riscos ao feto.