A infecção puerperal é uma complicação infecciosa que pode ocorrer após o parto e representa uma das principais causas de morbidade e mortalidade materna no período pós-parto, especialmente em contextos com menos acesso a cuidados obstétricos.
A infecção pode se manifestar no trato genital feminino e em outras áreas afetadas durante o processo de nascimento.
Este guia aborda desde a fisiopatologia até o manejo clínico, ajudando profissionais de saúde e estudantes de medicina a identificar, diagnosticar e tratar infecções puerperais com maior segurança.
1. O que é infecção puerperal?
A infecção puerperal refere-se a qualquer infecção do trato genital feminino que ocorre até 42 dias após o parto, incluindo cesáreas e abortos. De maneira geral, engloba condições como endometrite, sepse puerperal e infecções em locais de incisão, e é frequentemente associada a infecções bacterianas que invadem o útero e outras áreas afetadas pelo parto.
Definição clínica
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infecção puerperal é definida como:
“Qualquer infecção bacteriana no trato genital feminino que ocorre após o parto, caracterizada por temperatura ≥38°C em duas ocasiões diferentes com pelo menos um intervalo de 24 horas, ocorrendo após as primeiras 24 horas do parto e até o 42º dia do puerpério”.
Essa definição é importante pois diferencia infecções puerperais de outras possíveis complicações febris no pós-parto, como infecções respiratórias ou urinárias.
2. Principais causas e fatores de risco
As infecções puerperais são frequentemente causadas pela invasão de microrganismos que podem ser de origem endógena (flora vaginal) ou exógena (adquirida por contaminação durante o parto).
Alguns dos agentes infecciosos mais comuns incluem:
Estreptococos do Grupo A e B: São frequentes em infecções pós-parto.
Escherichia coli: Associada a infecções urinárias e sepse.
Klebsiella pneumoniae e Enterobacter: Frequentemente isolados em infecções em cesarianas.
Anaeróbios: Como Clostridium perfringens, que podem causar gangrena gasosa uterina.
Fatores de risco
Alguns fatores aumentam a probabilidade de infecção puerperal:
Cesárea: Principal fator de risco; o risco de infecção é 5 a 10 vezes maior do que em partos normais.
Prolongamento da duração do trabalho de parto: Exposição prolongada facilita a entrada de bactérias.
Ruptura prolongada das membranas: Aumenta a vulnerabilidade do útero a microrganismos.
Exames vaginais múltiplos durante o trabalho de parto.
Presença de comorbidades como diabetes, anemia e obesidade.
Nível socioeconômico baixo: Fatores como nutrição inadequada e difícil acesso a cuidados de saúde aumentam o risco.
3. Classificação das infecções puerperais
As infecções puerperais podem ser classificadas com base na localização anatômica da infecção:
3.1 Endometrite puerperal
É a forma mais comum de infecção puerperal, caracterizada pela infecção do endométrio, camada interna do útero, e normalmente ocorre após cesarianas. Manifesta-se como febre alta, dor abdominal, sensibilidade uterina e corrimento vaginal purulento.
3.2 Infecções de ferida cirúrgica
As infecções em locais de incisão são comuns após cesáreas e podem ocorrer em até 10% das mulheres submetidas à cirurgia, apresentando-se com edema, eritema, dor e drenagem purulenta.
3.3 Abscessos pélvicos e infecção de ligamentos
A infecção pode se espalhar para ligamentos uterinos e tecidos adjacentes, formando abscessos e causando sintomas como dor pélvica intensa, febre e sinais de peritonite.
3.4 Mastite
Embora não seja considerada uma infecção genital, a mastite é uma infecção comum do tecido mamário que pode ocorrer durante a amamentação.
É geralmente causada por Staphylococcus aureus e apresenta sintomas como dor, edema, eritema e febre.
4. Sinais e sintomas clínicos
Os sinais e sintomas da infecção puerperal podem variar conforme a área afetada e a gravidade da infecção.
Os principais incluem:
Febre ≥38°C, frequentemente o primeiro sinal.
Dor abdominal baixa e sensibilidade uterina.
Corrimento vaginal purulento ou fétido.
Mal-estar geral e calafrios.
Inchaço e sensibilidade em locais de incisão.
Taquicardia e hipotensão em casos graves.
É importante que esses sintomas sejam prontamente investigados para evitar a progressão para uma infecção sistêmica, que pode evoluir para uma sepse.
5. Diagnóstico da infecção puerperal
O diagnóstico da infecção puerperal é clínico, baseado em sintomas, mas pode ser complementado com exames laboratoriais e de imagem para avaliar a gravidade da infecção.
5.1 Exames laboratoriais
Hemograma completo: Geralmente revela leucocitose e elevação dos neutrófilos.
Hemoculturas e uroculturas: Importantes para identificar o agente infeccioso e guiar o tratamento.
Exame de cultura de secreção vaginal e de incisões cirúrgicas: Para detecção de bactérias causadoras.
5.2 Exames de Imagem
6. Tratamento da infecção puerperal
O tratamento da infecção puerperal deve ser iniciado o mais cedo possível para evitar complicações graves.
Ele inclui:
6.1 Terapia com antibióticos
Antibioticoterapia de largo espectro: Normalmente administrada empiricamente até que os resultados das culturas estejam disponíveis. Penicilinas e cefalosporinas são frequentemente usadas.
Regimes específicos: Em infecções mais graves, combinações como clindamicina e gentamicina são comuns, pois cobrem anaeróbios e Gram-negativos. A combinação mais completa envolve Gentamicina (3-5mg/kg de 24/24h EV - Dose máxima 240mg/dia) + Clindamicina (600mg de 6/6h ou 900mg de 8/8h EV) + Ampicilina (2g de 6/6h EV). Para pacientes com insuficiência renal, deve-se substituir a Gentamicina por Ceftriaxona, na dosagem de 1 g EV de 12/12 horas ou 2 g EV de 24/24 horas.
6.2 Tratamento cirúrgico
Em casos de abscesso pélvico ou infecção incisional, pode ser necessária a drenagem cirúrgica ou a reabertura da ferida para desbridamento.
6.3 Suporte clínico
Reposição de líquidos e eletrólitos para prevenir desidratação.
Monitoramento dos sinais vitais e do quadro clínico para acompanhar a resposta ao tratamento.
6.4 Cuidados locais
Limpeza e desinfecção rigorosa das áreas infectadas.
Curativos frequentes em incisões cirúrgicas infectadas.
7. Prevenção da infecção puerperal
A prevenção da infecção puerperal envolve cuidados rigorosos antes, durante e após o parto.
As principais medidas preventivas incluem:
Profilaxia com antibióticos: Administração de antibióticos profiláticos, especialmente em cesáreas.
Higiene e esterilidade: Práticas estéreis durante o parto, especialmente em procedimentos vaginais e cesáreas.
Limitação de exames vaginais durante o trabalho de parto.
Orientação sobre cuidados pós-parto: Orientar a mãe sobre sinais de alerta e a importância de higiene adequada.
8. Complicações potenciais
As infecções puerperais, se não tratadas, podem levar a complicações graves:
Sepse puerperal: Infecção sistêmica com risco de choque séptico.
Abscesso pélvico: Pode exigir intervenção cirúrgica.
Infertilidade: Infecções graves e não tratadas podem danificar estruturas reprodutivas.
Síndrome de Sheehan: Necrose da hipófise secundária à hemorragia pós-parto.
A infecção puerperal é uma condição séria que exige atenção e manejo rápido para evitar complicações graves. O reconhecimento precoce, aliado a um tratamento eficaz, reduz significativamente a morbidade associada a essa condição.
Para médicos e estudantes, é fundamental compreender a complexidade dessas infecções e a importância de intervenções preventivas e terapêuticas para garantir a saúde da paciente no puerpério.