A hipertensão gestacional, que afeta aproximadamente 5% a 10% das gestações, é uma condição de grande atenção nos cuidados pré-natais devido aos riscos significativos que apresenta tanto para a mãe quanto para o feto.
Este guia tem como objetivo detalhar o manejo da hipertensão gestacional, cobrindo desde a definição, diagnóstico, até o tratamento, critérios para antecipação do parto e cuidados pós-parto, e servir de referência detalhada para médicos e estudantes de medicina. É uma das causas dos chamados PNAR - Pré Natal de Alto Risco.
1. Definição e classificação da hipertensão na gestação
A hipertensão na gestação se divide em algumas categorias específicas, cada uma com características próprias e riscos variáveis para a mãe e para o feto. A classificação correta é essencial, pois influencia a conduta clínica e o acompanhamento da paciente.
Classificações da hipertensão na gestação
Hipertensão Gestacional: Caracterizada pelo aumento da pressão arterial após a 20ª semana de gestação, sem sinais de proteinúria (excesso de proteína na urina) ou disfunção de órgãos. Este tipo de hipertensão geralmente regride após o parto, mas necessita de monitoramento constante para evitar que evolua para pré-eclâmpsia.
Pré-eclâmpsia: É uma condição mais grave, na qual a hipertensão gestacional se associa a proteinúria significativa (mais de 300 mg em 24 horas) ou sinais de comprometimento de órgãos, como alteração nas funções hepática e renal, baixo número de plaquetas ou sintomas neurológicos. A pré-eclâmpsia pode ser classificada em leve ou grave, dependendo dos sintomas e dos exames laboratoriais.
Eclâmpsia: Considerada uma emergência obstétrica, a eclâmpsia ocorre quando a paciente com pré-eclâmpsia desenvolve convulsões. Esse quadro é altamente perigoso e exige intervenção imediata para preservar a saúde da mãe e do feto.
Hipertensão crônica: A hipertensão é considerada crônica quando diagnosticada antes da 20ª semana de gestação ou quando persiste após o puerpério (período pós-parto). Essas pacientes já tinham hipertensão antes de engravidar e, portanto, o acompanhamento é feito desde o início da gestação para evitar complicações.
2. Diagnóstico e critérios clínicos da hipertensão gestacional
O diagnóstico precoce da hipertensão gestacional é essencial para evitar que a condição evolua para pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, sendo fundamentais a monitorização da pressão arterial e a avaliação laboratorial.
Critérios para diagnóstico de hipertensão gestacional
Pressão arterial elevada: PA igual ou superior a 140/90 mmHg, registrada em duas medições com intervalo de pelo menos 4 a 6 horas.
Atenção importante à forma como é feita a aferição, que deve ser correta semiologicamente falando.
PA Sistólica ≥ 140 mmHg ou PA Diastólica ≥ 90 mmHg: Indicativo de hipertensão gestacional.
PA Sistólica ≥ 160 mmHg ou PA Diastólica ≥ 110 mmHg: Hipertensão grave, que requer avaliação mais intensiva.
Proteinúria: A presença de proteína na urina é um sinal de alerta para pré-eclâmpsia.
Teste de urina de 24 Horas: Proteinúria significativa acima de 300 mg indica possível progressão para pré-eclâmpsia.
Relação proteína/creatinina superior a 0,3 mg/dL em amostra única de urina também sugere proteinúria significativa.
Sintomas e sinais clínicos a serem observados
Os seguintes sintomas, além da pressão elevada, são sinais que podem indicar progressão para pré-eclâmpsia ou eclâmpsia:
Cefaleia intensa e persistente: Pode indicar comprometimento neurológico.
Distúrbios visuais: Como visão borrada, pontos luminosos ou sensibilidade à luz, que sugerem risco de eclâmpsia.
Epigastragia, dor abdominal, principalmente em quadrante superior direito: Relacionada a alterações hepáticas, como o hematoma hepático.
Edema súbito nas mãos e no rosto: Edema não é mais um critério isolado para o diagnóstico, mas inchaços significativos devem ser monitorados.
3. Monitoramento e exames complementares para avaliação materno-fetal
O monitoramento da pressão arterial e exames laboratoriais regulares são a base do manejo da hipertensão gestacional. A frequência dos exames e a avaliação do feto também são cruciais para detectar precocemente qualquer comprometimento.
Exames de monitoramento materno-fetal
Aferições de pressão arterial:
Devem ser realizadas em todas as consultas e, para pacientes com diagnóstico de hipertensão gestacional, são recomendadas medições adicionais em casa ou em ambiente hospitalar.
Monitoramento Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA): Pode ser utilizado para avaliar flutuações na pressão e planejar intervenções.
Abaixo, segue o arquivo do MAPA - para controle da PA em domicílio e acompanhamento ambulatorial.
Exames de sangue e urina (protocolo HELLP): Avaliam a função renal e hepática, além do estado de coagulação, que são afetados em casos de pré-eclâmpsia.
Função renal: Avaliação de ureia, creatinina e ácido úrico.
Função hepática: Níveis de TGO (AST), TGP (ALT) e bilirrubina.
Contagem de plaquetas: Plaquetopenia é comum na pré-eclâmpsia.
Exames de ultrassom e doppler obstétrico: São utilizados para avaliar o crescimento e bem-estar fetal, especialmente em casos de pré-eclâmpsia.
Ultrassonografia: Monitora o crescimento fetal, essencial para identificar restrição de crescimento intrauterino (CIUR).
Doppler de artérias uterinas: Avalia a circulação sanguínea entre mãe e feto, indicando possíveis problemas no fluxo sanguíneo.
4. Tratamento e controle da hipertensão gestacional
O tratamento da hipertensão gestacional visa manter a pressão arterial sob controle para prevenir complicações para a mãe e o bebê. As estratégias incluem desde mudanças no estilo de vida até medicamentos específicos.
Medidas não farmacológicas
Para hipertensão leve, as recomendações não farmacológicas podem ser suficientes, especialmente no início da gestação:
Dieta controlada: Redução do consumo de sódio (sal) e alimentos industrializados, além do incentivo ao consumo de frutas, verduras e alimentos naturais.
Dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension): Rica em potássio, cálcio e magnésio, é recomendada para pacientes hipertensas.
Atividade física leve: Exercícios leves, como caminhadas, sob orientação médica, ajudam a melhorar a circulação e reduzir o estresse.
Controle de peso: Ganho de peso adequado durante a gravidez reduz o risco de complicações hipertensivas.
Repouso: Em casos de pressão arterial mais elevada, o repouso, principalmente em casa, pode ajudar a controlar a pressão.
Tratamento farmacológico
Para pacientes com pressão elevada que não é controlada por medidas não farmacológicas, é necessário o uso de medicamentos:
Metildopa: Primeira escolha no tratamento da hipertensão na gestação por sua segurança e facilidade de implementação.
Dosagem: A dose inicial é de 250 mg de duas a três vezes ao dia (até de 6/6h, dose diária máxima de 3000mg), ajustada conforme a resposta da paciente.
Labetalol: Utilizado especialmente em casos de resistência ao tratamento com metildopa (dose diária máxima de 2.400 mg).
Nifedipina: Bloqueador de canal de cálcio, útil para casos em que a pressão precisa ser reduzida rapidamente.
A escolha do medicamento depende do perfil clínico da paciente e de sua resposta ao tratamento. É essencial ajustar as doses conforme a progressão da gestação e monitorar os efeitos colaterais.
Esquema de doses e ajustes
A dose diária é frequentemente ajustada com base nos valores pressóricos medidos durante a gestação e nas condições individuais da paciente.
Em casos de aumento progressivo da pressão, são feitos incrementos nas dosagens, com acompanhamento de perto para evitar hipotensão e outros efeitos adversos.
5. Critérios para antecipação do parto em hipertensão gestacional
Nos casos de hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia, a antecipação do parto é uma estratégia que pode ser necessária para garantir a segurança da mãe e do bebê.
A decisão de induzir o parto é baseada em uma avaliação rigorosa de fatores como a gravidade da pressão arterial, o comprometimento materno e fetal, e a idade gestacional.
Critérios para antecipação baseados na idade gestacional e gravidade
Hipertensão arterial crônica ou pré eclâmpsia controlada com medicação e sem complicações:
Para pacientes com hipertensão arterial crônica ou pré eclâmpsia controlada, o objetivo é manter a gravidez até as 39 semanas e 6 dias, momento ideal para o nascimento sem riscos aumentados para o bebê.
Nestes casos, o monitoramento deve ser intensivo, com aferições de pressão arterial frequentes e avaliações de bem-estar fetal, como ultrassonografia e exames de Doppler das artérias uterinas.
Hipertensão gestacional / Pré-eclâmpsia descompensada:
Se a paciente apresenta hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia descompensada, a data limite para o parto é de 37 semanas e 6 dias.
A decisão também considera o risco de progressão para eclâmpsia, especialmente se houver proteinúria crescente, alterações hepáticas ou renais leves e discreto aumento na pressão.
Pré-eclâmpsia grave:
Em situações de pré-eclâmpsia grave, que é caracterizada por uma pressão arterial ≥160/110 mmHg, insuficiência renal, plaquetopenia ou sintomas neurológicos, a antecipação do parto geralmente pode ocorrer a partir de 34 semanas, considerando os riscos elevados de complicações.
Em casos mais graves, como o desenvolvimento de síndrome HELLP (hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia), a interrupção da gestação pode ser necessária independentemente da idade gestacional para proteger a vida da mãe e do bebê.
Eclâmpsia e síndrome HELLP:
A ocorrência de eclâmpsia e suas complicações ou o diagnóstico de HELLP exige intervenção obstétrica imediata, independentemente da idade gestacional, pois são condições de alto risco que requerem tratamento de emergência.
Em muitos casos, a cesariana é indicada para garantir um parto rápido e seguro.
6. Monitoramento pós-parto e cuidados no puerpério
Após o parto, o controle da pressão arterial deve continuar, pois algumas pacientes podem manter níveis elevados de pressão por várias semanas ou desenvolver hipertensão crônica.
O acompanhamento pós-parto é crucial para a detecção precoce de complicações e para orientar a paciente quanto ao seu risco de desenvolver hipertensão crônica no futuro.
Monitoramento e avaliação pós-parto
Aferições de pressão arterial: Nas primeiras 48 a 72 horas após o parto e novamente entre o 7º e o 10º dia, ou sempre que houver sintomas.
Avaliação do risco de hipertensão crônica: Mulheres que tiveram hipertensão gestacional possuem risco aumentado para hipertensão crônica, e devem realizar exames regulares.
Educação para autocuidado: Instruir as pacientes sobre a importância da monitorização de sua pressão arterial e sobre sinais de alerta, como dor de cabeça intensa, alterações visuais ou inchaços, que indicam a necessidade de atenção médica imediata.
Recomendações para a saúde a longo prazo
Mudanças no estilo de vida: A hipertensão gestacional está associada a um risco aumentado de doença cardiovascular, por isso é fundamental adotar uma dieta equilibrada, praticar atividades físicas regulares e evitar o tabagismo.
Acompanhamento cardiovascular regular: A pressão arterial e o perfil lipídico devem ser monitorados periodicamente, e a paciente deve ser incentivada a fazer acompanhamento médico regular, especialmente em idades mais avançadas.
Plano de monitoramento em domicílio:
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