A hemorragia pós-parto (HPP)
É uma das principais causas de morbimortalidade materna no mundo, representando um desafio significativo para os profissionais de saúde envolvidos no atendimento obstétrico.
Definida como uma perda sanguínea superior a 500 ml após um parto vaginal ou mais de 1000 ml após uma cesariana, a HPP pode ter diversas causas, sendo fundamental um diagnóstico rápido e um tratamento eficaz para reduzir riscos à mãe.
Para facilitar a compreensão das causas e o manejo dessa condição, as causas da HPP são frequentemente divididas em 4 categorias conhecidas como os 4 T's:
Tônus (Atonia Uterina)
Trauma
Tecido (Retenção de Partes Fetais ou Placentares)
Trombofilias (Distúrbios de Coagulação)
Vamos explorar cada uma dessas categorias em detalhe, abordando como cada uma contribui para a HPP, fatores de risco associados e as abordagens clínicas recomendadas para cada causa.
1. Tônus: Atonia Uterina
A atonia uterina é a causa mais comum de hemorragia pós-parto, responsável por cerca de 70% dos casos. Nesta condição, o útero falha em contrair-se adequadamente após o parto, o que impede a compressão dos vasos sanguíneos que irrigavam a placenta, levando à perda significativa de sangue.
Causas e fatores de risco para atonia uterina
A atonia uterina pode ocorrer por diversos fatores que impedem o útero de se contrair eficientemente.
Os principais fatores de risco incluem:
Distensão uterina: Gravidezes múltiplas (gêmeos ou trigêmeos), polidrâmnio e macrossomia fetal.
Parto prolongado ou rápido: Tanto o trabalho de parto muito longo quanto o parto precipitado podem levar a fadiga do músculo uterino.
Anestesia geral: O uso de anestesia pode afetar o tônus muscular uterino, especialmente se a paciente recebeu anestesia geral.
Uso prolongado de ocitocina: O uso prolongado de ocitocina pode levar à “fadiga” do útero, dificultando sua capacidade de contrair após o parto.
Manejo clínico da atonia uterina
Para tratar a atonia uterina, são utilizadas as seguintes medidas:
Massagem uterina bimanual: método que visa estimular a contração uterina manualmente.
Administração de ocitócicos: ocitocina intravenosa é frequentemente administrada para estimular as contrações uterinas. Em alguns serviços de saúde, a administração de duas ampolas em todas as gestantes pós parto é comum. Outros medicamentos incluem misoprostol e derivados da ergometrina.
Compressão uterina e intervenções cirúrgicas: em casos mais graves, pode ser necessária a realização de uma compressão manual do útero ou, em situações de emergência, um procedimento cirúrgico como a embolização da artéria uterina ou, em último caso, a histerectomia.
2. Trauma: lacerações e lesões do trato genitourinário ou ânus
O segundo "T" refere-se ao trauma, ou seja, lesões que ocorrem no trato genital durante o parto, como lacerações do colo do útero, vagina, períneo e até mesmo a ruptura uterina.
Tipos de trauma e fatores de risco
O trauma pode ocorrer em diferentes áreas do trato reprodutivo:
Lacerações do períneo, vagina e colo uterino: mais comuns em partos instrumentais, como o uso de fórceps ou vácuo extrator, em partos vaginais precipitados e em fetos GIG.
Ruptura uterina: Embora rara, pode ocorrer em mulheres que tentam um parto vaginal após uma cesariana anterior (VBAC), ou em caso de obstrução fetal.
Hematomas vaginais ou vulvares: Podem se desenvolver devido ao rompimento de vasos sanguíneos durante o parto.
Manejo clínico do trauma
O tratamento do trauma genital depende do tipo e da extensão da lesão:
Identificação e reparo das lacerações: lacerações do períneo, vagina e colo do útero devem ser identificadas e reparadas imediatamente com suturas.
Controle de hematomas: pequenos hematomas podem ser observados, mas hematomas maiores podem exigir drenagem e reparo cirúrgico.
Abordagem cirúrgica em caso de ruptura uterina: a ruptura uterina é uma emergência e geralmente requer reparo cirúrgico imediato ou, em casos extremos, histerectomia.
3. Tecido: retenção de partes fetais ou placentares
A retenção de partes fetais ou da placenta é uma causa significativa de HPP. Quando partes da placenta, membranas fetais ou coágulos permanecem no útero, elas impedem que o útero se contraia adequadamente, resultando em hemorragia.
Causas e fatores de risco para retenção de tecido
A retenção de tecidos pode ocorrer em diversas situações, incluindo:
Acretismo placentário: condição em que a placenta adere de forma anômala ao útero, dificultando a sua separação completa após o parto.
Separação parcial da placenta: ocorre quando apenas uma parte da placenta se descola, deixando fragmentos no útero.
Parto prematuro ou prolongado: em partos prematuros, a placenta pode não estar totalmente desenvolvida, aumentando o risco de retenção.
Manejo clínico da retenção tecidual
O tratamento da retenção de tecido envolve:
Exame manual do útero: utilizado para avaliar a presença de fragmentos placentários remanescentes.
Curetagem uterina: procedimento para remover os fragmentos retidos, especialmente quando há sangramento persistente.
Administração de ocitocina e antibióticos: o uso de ocitocina é importante para ajudar o útero a contrair após a remoção dos tecidos. Os antibióticos podem ser administrados profilaticamente para prevenir infecções.
4. Trombofilias: distúrbios de coagulação
O último "T" refere-se a trombofilias, ou seja, distúrbios de coagulação que interferem na capacidade do corpo de formar coágulos sanguíneos e controlar o sangramento. Esses distúrbios podem ser preexistentes ou surgir como uma complicação do parto.
Tipos de distúrbios de coagulação e fatores de risco
Os distúrbios de coagulação que podem levar a uma HPP incluem:
Coagulopatias preexistentes: como a doença de von Willebrand, hemofilia e trombocitopenia.
Coagulopatias adquiridas: como a coagulação intravascular disseminada (CIVD), que pode ocorrer em situações de complicações graves, como descolamento prematuro de placenta e embolia de líquido amniótico.
Uso de anticoagulantes: mulheres em uso de anticoagulantes por condições médicas anteriores também apresentam maior risco de HPP.
Manejo clínico dos distúrbios de coagulação
O tratamento de HPP devido a problemas de coagulação varia conforme a causa:
Transfusão de hemoderivados: a transfusão de plaquetas, plasma fresco congelado e fatores de coagulação pode ser necessária para restaurar a capacidade de coagulação.
Reposição de fatores de coagulação específicos: em casos de doença de von Willebrand, por exemplo, pode ser necessária a reposição do fator específico.
Tratamento de condições subjacentes: em caso de CIVD, o manejo da condição desencadeante é essencial para controlar o sangramento.
Abordagem e protocolo para o tratamento da hemorragia pós-parto
O tratamento da hemorragia pós-parto exige uma abordagem rápida e sistemática, com a aplicação de protocolos específicos para reduzir o risco de complicações graves.
O protocolo pode ser resumido da seguinte forma:
Identificação rápida e avaliação da causa: realizar uma avaliação inicial focada nos 4 T’s (tônus, trauma, tecido e trombina) para identificar rapidamente a causa subjacente.
Tratamento inicial com ocitocina: administrar ocitocina para estimular a contração uterina, especialmente em casos de atonia.
Reposição volêmica e transfusão: se houver perda significativa de sangue, iniciar a reposição com cristaloides e considerar a transfusão de hemoderivados.
Intervenção cirúrgica quando necessário: em casos de hemorragia persistente, considerar a embolização da artéria uterina ou até mesmo a histerectomia.
A hemorragia pós-parto é uma emergência obstétrica séria, e a compreensão dos 4 T’s — tônus, trauma, tecido e trombina — é fundamental para um manejo eficaz.
Cada uma dessas causas exige uma abordagem de tratamento específica e, em muitos casos, medidas rápidas e multidisciplinares.
Com o diagnóstico e tratamento adequados, é possível reduzir significativamente os riscos e as complicações da hemorragia pós-parto, protegendo a saúde e a vida da paciente.