O diabetes gestacional (DMG) é uma condição de hiperglicemia diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez e é considerada uma das complicações mais comuns do período gestacional. É uma das causas dos chamados PNAR - Pré Natal de Alto Risco.
Estima-se que entre 2% e 10% das gestantes desenvolvem essa condição, o que representa uma prevalência significativa em termos de saúde pública e individual, tanto para a mãe quanto para o bebê.
O DMG ocorre devido a alterações hormonais e metabólicas que interferem na ação da insulina e no controle da glicemia, exigindo monitoramento cuidadoso para evitar complicações.
Para profissionais de saúde, o manejo adequado do diabetes gestacional é essencial para minimizar riscos materno-fetais e garantir o bem-estar da mãe e do bebê. Este guia aborda os critérios diagnósticos, o tratamento ideal e as datas recomendadas para a interrupção da gestação, dependendo do controle glicêmico da paciente.
1. Fatores de risco para Diabetes Gestacional
O risco de diabetes gestacional aumenta em algumas populações de pacientes, sendo que a identificação desses fatores é crucial para determinar quando realizar um rastreamento mais precoce e frequente.
Idade materna avançada: Mulheres acima de 35 anos têm um risco maior de desenvolver diabetes gestacional.
Histórico familiar de diabetes tipo 2: Pacientes com histórico familiar em parentes de primeiro grau têm maior predisposição.
Obesidade ou ganho de peso excessivo: O índice de massa corporal (IMC) elevado antes ou durante a gestação está associado a maior risco.
Síndrome do ovário policístico (SOP): A SOP está relacionada a resistência à insulina, aumentando o risco.
Histórico de DMG em gestações anteriores: Mulheres que já tiveram DMG apresentam maior chance de recorrência.
Estes fatores de risco não determinam, mas aumentam as chances de diagnóstico de DMG. A identificação precoce e o acompanhamento especializado são essenciais para a gestão dessa condição.
2. Diagnóstico do Diabetes Gestacional
O diagnóstico de diabetes gestacional é realizado por meio de exames de glicemia e pelo teste oral de tolerância à glicose (TOTG), que são métodos padronizados.
Para a maioria das gestantes, o TOTG deve ser realizado entre a 24ª e a 28ª semana de gestação, mas para aquelas com fatores de risco mais elevados, a avaliação pode ser antecipada, de acordo com avaliação médica.
2.1 Critérios diagnósticos
O diagnóstico de diabetes gestacional depende de um ou mais valores alterados no teste oral de tolerância à glicose, considerando três pontos de corte:
Glicemia de jejum: ≥ 92 mg/dL
1 hora após ingestão de 75g de glicose: ≥ 180 mg/dL
2 horas após ingestão de 75g de glicose: ≥ 153 mg/dL
Para o diagnóstico positivo, é necessário que ao menos um dos valores esteja acima desses limites. É importante realizar o TOTG conforme recomendado para assegurar um diagnóstico preciso e iniciar o manejo apropriado o quanto antes.
2.2 Realização do TOTG
A orientação atual é que o TOTG seja feito em duas etapas principais, em que a paciente ingere uma solução com 75g de glicose e a glicemia é medida em jejum, após 1 hora e após 2 horas.
As datas recomendadas para realização do TOTG são:
Gestantes sem fatores de risco elevados: entre a 24ª e 28ª semana.
Gestantes com fatores de risco: assim que identificados.
Durante a administração do teste, é fundamental seguir o preparo correto, que inclui jejum de pelo menos 8 horas e evitar exercícios ou outras atividades intensas antes do exame, para garantir resultados confiáveis.
3. Conduta se diagnóstico positivo
Uma vez que o diagnóstico de diabetes gestacional é confirmado, inicia-se um plano de acompanhamento específico, visando manter os níveis de glicose dentro de uma faixa saudável para minimizar riscos à mãe e ao feto.
3.1 Plano de monitoramento e condutas iniciais
As pacientes devem monitorar os níveis de glicose ao longo do dia (através de mapa glicêmico), tipicamente com medições feitas em jejum, pós café, pós almoço e pós jantar
Os valores de referência são:
Jejum: < 95 mg/dL
1 hora após refeição: < 140 mg/dL
2 horas após refeição: < 120 mg/dL
Lembrando que o tempo começa a contar a partir do início da refeição, então se o almoço for iniciado às 12:00 e a medição for feita às 13:00, o VR é <140mg/dL.
Esses alvos glicêmicos são considerados seguros para gestantes com DMG e ajudam a guiar o tratamento.
O monitoramento frequente permite ajustes no tratamento e indica se a intervenção com dieta e atividade física já é o suficiente ou se será necessário iniciar terapia insulínica.
Plano de monitoramento em domicílio:
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4. Tratamento do Diabetes Gestacional
O tratamento do DMG é individualizado e ajustado de acordo com as metas glicêmicas e a resposta da paciente às intervenções iniciais.
4.1 Intervenções iniciais: dieta e exercício
Para muitas pacientes, o controle da glicemia pode ser alcançado por meio de uma dieta equilibrada e da prática de exercícios leves. Uma dieta rica em fibras e pobre em açúcares simples, juntamente com refeições pequenas e frequentes, ajuda a evitar picos glicêmicos.
4.2 Uso de insulina para controle glicêmico
Quando a dieta e os exercícios não são suficientes para controlar os níveis de glicose em pacientes com diabetes gestacional, é necessário iniciar a terapia com insulina. O uso de insulina é uma abordagem eficaz para prevenir complicações materno-fetais, permitindo que as glicemias fiquem dentro dos níveis desejáveis e reduzindo riscos associados ao diabetes gestacional mal controlado.
Como é calculada a dose de insulina?
A dose inicial de insulina é calculada com base no peso corporal e no perfil glicêmico da paciente.
O cálculo é geralmente feito da seguinte forma:
Insulina NPH: A dose inicial recomendada para pacientes com diabetes gestacional é de 0,5 unidade por kg de peso corporal ao dia. Essa dose é ajustada ao longo da gestação conforme os resultados das medições glicêmicas e a resposta da paciente à insulina.
Distribuição da dose diária: A administração da dose diária de insulina deve ser feita em horários específicos para cobrir as variações glicêmicas ao longo do dia. A dose diária é distribuída da seguinte forma:
50% da dose total no café da manhã
25% da dose total no almoço
25% da dose total no jantar
Essa divisão é importante para garantir que a insulina esteja presente em níveis adequados durante os períodos de maior variação glicêmica.
Critérios para iniciar a terapia insulínica
O início da terapia com insulina depende do local em que o perfil glicêmico é monitorado e da frequência das alterações nos valores glicêmicos.
Monitoramento domiciliar
Se o monitoramento glicêmico (MAPA glicêmico) é realizado em casa, a paciente deve monitorar os níveis de glicose ao longo de 15 dias.
Para que a insulina seja indicada, pelo menos 30% das medições precisam estar fora dos níveis desejáveis, o que demonstra dificuldade de controle com dieta e exercício físico.
Cálculo de insulina NPH para pacientes com MAPA glicêmico alterado: A dose inicial é calculada conforme a regra de 0,5 unidade por kg de peso corporal ao dia, e a administração deve seguir a divisão sugerida (50% no café da manhã, 25% no almoço e 25% no jantar).
Monitoramento em ambiente hospitalar
Para pacientes em ambiente hospitalar, o monitoramento glicêmico é mais intensivo e pode ser realizado em um período de 24 horas.
Nesse caso, são feitas 6 medições ao longo do dia de internação nos seguintes horários:
Em jejum
Após o café da manhã
Antes do almoço
Após o almoço
Antes do jantar
Após o jantar
É importantíssimo seguir essas medições antes de realizar o ataque para evitar um manejo incorreto da glicemia capilar, pois o descontrole glicêmico pode vir de manejo dietético incorreto em domicílio, que se ajusta assim que a paciente tem suas ingestões calóricas controladas pelo ambiente intra-hospitalar.
Com esses dados, as doses de insulina podem ser ajustadas de forma rápida para evitar hiperglicemia prolongada.
Neste caso, utiliza-se a insulina regular como "dose de ataque" para corrigir valores alterados imediatamente após a medição, conforme a tabela a seguir:
Glicemia (mg/dL) | Dose de insulina regular |
Até 120 mg/dL | 0 unidades |
121 - 160 mg/dL | 2 unidades |
161 - 200 mg/dL | 3 unidades |
201 - 240 mg/dL | 4 unidades |
241 - 280 mg/dL | 5 unidades |
> 281 mg/dL | 6 unidades |
Essa estratégia permite o controle glicêmico em tempo real e ajuda a evitar picos de glicose que poderiam comprometer a saúde da mãe e do feto.
Início do tratamento com insulina em casa e no hospital
Início domiciliar: Após a avaliação dos 15 dias de MAPA glicêmico domiciliar, se houver indicação para insulina, o tratamento pode ser iniciado com orientação sobre o manuseio da insulina, incluindo a aplicação correta e os horários ideais de aplicação para a manutenção dos níveis glicêmicos dentro das metas.
Início hospitalar: Em ambiente hospitalar, o tratamento pode ser iniciado após 24 horas de monitoramento, com aplicação de doses de insulina regular conforme a tabela de correção. O ajuste é feito com base nas necessidades individuais da paciente, considerando os valores apresentados em cada medição.
4.3 Monitoramento e ajuste de tratamento ao longo da gestação
As gestantes com DMG que utilizam insulina devem realizar monitoramento glicêmico rigoroso para ajustar doses e evitar hipoglicemias ou hiperglicemias.
Consultas periódicas para avaliação de saúde materna e fetal ajudam a identificar rapidamente qualquer complicação.
5. Conduta na data limite de gestação para pacientes com DMG
A data limite para interrupção da gestação é determinada com base na resposta ao tratamento e no controle glicêmico da paciente:
DMG controlada com dieta: 39 semanas.
DMG com uso de insulina: 38 semanas.
Essa recomendação ajuda a prevenir complicações materno-fetais associadas ao prolongamento da gestação em pacientes com diabetes gestacional, incluindo risco aumentado de macrossomia, sofrimento fetal e outras complicações.
6. Complicações do Diabetes Gestacional
O diabetes gestacional, se não controlado adequadamente, pode levar a uma série de complicações que afetam tanto a mãe quanto o bebê.
Para profissionais de saúde, é fundamental estar atento aos sinais de complicações e orientações para intervenções preventivas.
6.1 Complicações maternas
Pré-eclâmpsia: Mulheres com diabetes gestacional têm um risco aumentado de desenvolver pré-eclâmpsia, uma condição caracterizada por hipertensão e danos a órgãos, como fígado e rins. A monitorização da pressão arterial e a avaliação de proteínas na urina são fundamentais.
Infecções urinárias: A hiperglicemia favorece infecções urinárias recorrentes, que podem desencadear complicações no trato urinário. A abordagem deve incluir acompanhamento mais frequente e tratamento antibiótico adequado.
Polidrâmnio: O diabetes gestacional pode aumentar o volume de líquido amniótico, levando ao polidrâmnio. Essa condição aumenta o risco de parto prematuro e outras complicações, como sofrimento fetal durante o parto.
6.2 Complicações Fetais
Macrossomia fetal: O excesso de glicose no sangue da mãe atravessa a placenta, levando a um crescimento fetal excessivo. Bebês grandes (também chamados de bebê GIG) estão mais propensos a traumas durante o parto vaginal, além de outras complicações neonatais, como hipóxia, que pode levar a óbito intrauterino.
Hipoglicemia neonatal: Logo após o nascimento, o bebê pode apresentar hipoglicemia, especialmente em casos onde houve controle inadequado do diabetes gestacional. É necessário monitorar a glicemia neonatal nas primeiras horas de vida.
Problemas respiratórios: A maturação pulmonar dos bebês de mães com diabetes gestacional pode ser retardada, aumentando o risco de síndrome do desconforto respiratório (SDR) em recém-nascidos prematuros ou até mesmo a termo.
7. Acompanhamento pré-natal e monitoramento glicêmico
Para um manejo efetivo, o acompanhamento de pacientes com diabetes gestacional inclui consultas regulares e um cronograma de exames para avaliação materno-fetal.
7.1 Consulta pré-natal e exames de rotina
O acompanhamento pré-natal é adaptado para monitorar não só o controle glicêmico, mas também o desenvolvimento fetal e as condições de saúde maternas:
Consultas quinzenais até a 32ª semana e, posteriormente, semanais até o parto.
Ultrassonografias seriadas para avaliar o crescimento fetal, volume de líquido amniótico e peso estimado do bebê.
Monitorização da pressão arterial e proteinúria: Essencial para prevenir e diagnosticar pré-eclâmpsia precocemente.
Exames laboratoriais de rotina: Hemograma completo, função renal e hepática, além de HbA1c para avaliar o controle glicêmico.
7.2 Controle glicêmico diário
O controle glicêmico é a base do manejo do diabetes gestacional.
A paciente é instruída a monitorar os níveis de glicose em jejum, uma hora e duas horas após as refeições, mantendo os valores dentro das faixas de referência:
Glicemia em jejum: < 95 mg/dL
Glicemia 1 hora após refeição: < 140 mg/dL
Glicemia 2 horas após refeição: < 120 mg/dL
Esses valores são revisados durante as consultas e ajustes são feitos conforme necessário.
A adesão ao monitoramento regular e a dietoterapia são fatores determinantes para o sucesso do tratamento.
8. Condutas no parto para gestantes com DMG
O planejamento do parto é feito com base na resposta ao tratamento e no controle glicêmico, e a data de interrupção gestacional varia:
Diabetes gestacional controlado com dieta: Recomenda-se aguardar até 39 semanas para o parto, desde que não haja complicações.
Diabetes gestacional em uso de insulina: Recomenda-se interromper a gestação em torno de 38 semanas, pois o uso de insulina pode estar associado a um risco aumentado de complicações fetais.
O tipo de parto (vaginal ou cesariana) também depende de fatores como o peso estimado do bebê, as condições obstétricas e o estado de saúde da mãe.
Para bebês com peso estimado acima de 4,5 kg, a cesariana pode ser preferida para evitar traumas durante o parto, principalmente devido a um fenômeno conhecido como distócia de ombro, que tem suas chances aumentadas em bebês GIG.
9. Manejo pós-parto e seguimento da paciente com Diabetes Gestacional
Após o parto, é importante continuar o acompanhamento, uma vez que o diabetes gestacional pode ser um marcador de risco para o desenvolvimento de diabetes tipo 2 no futuro.
9.1 Controle glicêmico no pós-parto imediato
Logo após o nascimento, a glicemia materna deve ser monitorada para confirmar que os níveis retornaram ao normal.
Em muitos casos, o diabetes gestacional é resolvido com o parto, mas o risco de diabetes futuro persiste.
9.2 Teste de tolerância à glicose 6 a 12 semanas após o parto
Um novo TOTG é indicado entre 6 e 12 semanas após o parto para avaliar o risco de diabetes tipo 2. Valores indicativos de hiperglicemia ou diabetes podem sugerir a necessidade de um acompanhamento a longo prazo e a adoção de mudanças no estilo de vida.
9.3 Acompanhamento a longo prazo
Pacientes com histórico de diabetes gestacional têm até 60% de chance de desenvolver diabetes tipo 2 nos 10 anos seguintes ao parto.
Recomenda-se o seguinte para prevenção e controle:
Exercício físico regular e dieta balanceada.
Consulta anual para monitorar glicemia e função metabólica.
Orientação sobre planejamento familiar para prevenir complicações em futuras gestações.
O manejo do diabetes gestacional exige um trabalho conjunto entre o obstetra, endocrinologista e outros profissionais de saúde envolvidos no pré-natal de alto risco. Ao garantir um acompanhamento adequado e individualizado, é possível minimizar os riscos para a mãe e o bebê, promovendo uma gestação mais segura e saudável.
Esse conteúdo oferece uma base sólida para os profissionais de saúde que lidam com o DMG, proporcionando diretrizes práticas que podem ser adaptadas conforme a necessidade e realidade de cada paciente.
A educação contínua da paciente sobre o controle glicêmico e o acompanhamento especializado são fundamentais para o sucesso do tratamento e para a prevenção de complicações futuras.