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Foto do escritorCarlos Felipe

Endometriose: visão clínica completa sobre sintomas, diagnóstico, estadiamento e tratamento

A endometriose é uma doença ginecológica crônica caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina. Essa ectopia endometrial provoca uma resposta inflamatória crônica que pode levar à formação de aderências, cicatrizes, dor crônica e infertilidade. Com prevalência estimada entre 10% e 15% das mulheres em idade reprodutiva, a endometriose é uma das principais causas de dor pélvica crônica e infertilidade. Embora seja uma condição amplamente estudada, ainda existem desafios diagnósticos e terapêuticos que exigem uma abordagem clínica minuciosa.

O diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem impactar significativamente a qualidade de vida das pacientes. Portanto, é fundamental que médicos e profissionais da saúde estejam atentos à apresentação clínica variada e complexa da doença. Neste post, vamos explorar com profundidade o manejo da endometriose, incluindo sintomas, diagnóstico, estadiamento, linhas de tratamento e decisões clínicas, com ênfase nos aspectos mais relevantes para a prática médica.

Sintomas da endometriose: padrões clínicos e variabilidade

Os sintomas da endometriose são notoriamente variáveis, tanto em intensidade quanto em apresentação.


Isso contribui para atrasos diagnósticos, com muitas pacientes relatando um intervalo de até 7 a 10 anos entre o início dos sintomas e o diagnóstico definitivo. A dor é o sintoma mais prevalente, mas não é a única manifestação clínica.

1. Dor pélvica crônica

A dor pélvica associada à endometriose pode ter características variadas. Geralmente, é cíclica, ocorrendo de forma mais intensa durante a menstruação, mas pode se tornar crônica, persistindo ao longo de todo o ciclo menstrual. A dor pode irradiar para as costas e pernas, simulando condições ortopédicas ou neurológicas, como ciatalgia.

  • Dismenorreia severa: A dor menstrual severa é um dos primeiros sintomas a surgir. Na endometriose, a dismenorreia tende a piorar com o tempo, sendo resistente a analgésicos convencionais.

  • Dor ovulatória: Algumas pacientes relatam dor no meio do ciclo menstrual, associada à ovulação. Essa dor pode estar relacionada a focos de endometriose nos ovários ou à formação de endometriomas.

  • Dor pélvica não cíclica: À medida que a doença progride, a dor pode se tornar contínua, devido à inflamação crônica, formação de aderências e compressão de nervos pélvicos.



2. Dispareunia profunda

A dor durante a relação sexual, ou dispareunia, é um sintoma comum em mulheres com endometriose.


É frequentemente associada à penetração profunda e pode ocorrer devido a focos de endometriose localizados no fundo de saco de Douglas, septo retovaginal, ligamentos uterossacros e reto.



3. Distúrbios intestinais e urinários


Os sintomas intestinais e urinários podem ocorrer em casos de endometriose profunda infiltrativa (DIE), quando os focos endometrióticos comprometem órgãos como o intestino, reto, bexiga ou ureteres. Esses sintomas são frequentemente exacerbados durante a menstruação, sendo confundidos com doenças gastrointestinais e urinárias.

  • Dor à evacuação (disquezia): Pode ser um sinal de endometriose retossigmoide. O sangramento retal cíclico é outro sinal de acometimento intestinal.

  • Dor à micção: Pode ocorrer quando há envolvimento vesical ou ureteral.

  • Alterações do hábito intestinal: Constipação ou diarreia cíclica também podem estar presentes.



4. Infertilidade

A infertilidade é uma das principais complicações da endometriose, afetando cerca de 30% a 50% das mulheres diagnosticadas. A presença de aderências pélvicas, obstrução tubária e distorção da anatomia pélvica pode dificultar a concepção.


Além disso, a inflamação crônica causada pela endometriose pode afetar a qualidade dos óvulos, a receptividade endometrial e a função do esperma.

  • Endometriomas: Cistos ovarianos endometrióticos, chamados de endometriomas, podem comprometer a reserva ovariana e a função dos ovários, piorando a resposta reprodutiva.

  • Falha na fertilização: A endometriose também pode interferir nos processos imunológicos e de implantação, levando a falhas na fertilização in vitro (FIV).


Mulher com roupas pretas e as mãos na barriga, indicando dor abdominal

Diagnóstico da endometriose: ferramentas clínicas e exames complementares

O diagnóstico da endometriose muitas vezes é retardado pela variabilidade dos sintomas e pela sobreposição com outras condições ginecológicas e gastrointestinais.


A abordagem diagnóstica envolve uma combinação de anamnese detalhada, exame físico e exames de imagem, sendo a laparoscopia o método padrão-ouro para confirmação.



1. Anamnese clínica detalhada


O primeiro passo para o diagnóstico da endometriose é uma anamnese cuidadosa, explorando o histórico menstrual, sintomas associados e fatores de risco, como história familiar de endometriose.


Questione sobre:

  • Padrão de dor: Dor pélvica cíclica ou crônica, dismenorreia resistente a tratamentos e dispareunia.

  • Alterações intestinais e urinárias: Sintomas gastrointestinais cíclicos, como disquezia e sangramento retal, e queixas urinárias, como disúria.

  • Histórico reprodutivo: Dificuldades para engravidar, abortos espontâneos ou infertilidade.



2. Exame físico ginecológico


O exame ginecológico pode revelar sinais sugestivos de endometriose, como sensibilidade à palpação no fundo de saco posterior e presença de nódulos nos ligamentos uterossacros.


Em alguns casos, lesões endometrióticas podem ser palpadas durante o exame bimanual.



3. Exames de imagem


Os exames de imagem são ferramentas indispensáveis para o diagnóstico não invasivo da endometriose, embora nem sempre sejam capazes de detectar todas as lesões.


  • Ultrassonografia transvaginal (USG-TV): O ultrassom é particularmente útil para detectar endometriomas e lesões profundas na região retrocervical e intestino. A sensibilidade do ultrassom transvaginal pode ser aumentada com a realização de preparo intestinal.


  • Ressonância magnética (RM): A RM tem alta sensibilidade para detectar endometriose profunda, especialmente em locais de difícil acesso, como o septo retovaginal e o ligamento uterossacro. É útil na avaliação pré-operatória e no planejamento cirúrgico.


  • Tomografia computadorizada (TC): Embora menos frequentemente utilizada, a TC pode ser útil em casos de envolvimento de órgãos extrapelvicos.



4. Laparoscopia diagnóstica

A laparoscopia permanece o padrão-ouro no diagnóstico da endometriose, permitindo a visualização direta das lesões e a biópsia para confirmação histopatológica. Lesões típicas incluem focos pigmentados de coloração preta ou azulada, lesões brancas ou vermelhas e aderências fibróticas.



5. Biópsia e estudo histopatológico


O diagnóstico definitivo é feito por meio de biópsia das lesões endometrióticas visualizadas na laparoscopia, com confirmação histopatológica. A presença de glândulas endometriais e estroma fora da cavidade uterina é o critério diagnóstico.

Estadiamento da endometriose: classificação e impacto clínico


O estadiamento da endometriose é uma parte essencial do manejo clínico, fornecendo informações sobre a gravidade da doença e orientando o tratamento.


O sistema de estadiamento mais utilizado é o da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), que classifica a doença em quatro estágios:



Estágio I: Endometriose Mínima

Lesões superficiais de pequeno volume, sem envolvimento significativo de órgãos adjacentes. Geralmente associada a poucos ou nenhum sintoma.

Estágio II: Endometriose leve

Lesões mais profundas e estendidas, com maior envolvimento das estruturas pélvicas, mas sem formação de endometriomas significativos ou aderências densas.

Estágio III: Endometriose moderada

Presença de endometriomas em um ou ambos os ovários, além de aderências pélvicas leves. O estadiamento III está associado a maior risco de infertilidade.

Estágio IV: Endometriose severa

A endometriose severa envolve grandes endometriomas bilaterais, extensas aderências pélvicas e acometimento de órgãos extrapelvicos, como o intestino e a bexiga. Este estágio é frequentemente associado a dor pélvica incapacitante e infertilidade.


Linhas de tratamento na endometriose: abordagens clínicas e cirúrgicas

O tratamento da endometriose visa principalmente controlar os sintomas, retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida da paciente. O manejo depende de vários fatores, incluindo a gravidade dos sintomas, a extensão da doença e o desejo da paciente de preservar sua fertilidade.



1. Tratamento medicamentoso


A terapia medicamentosa é o pilar do tratamento inicial, especialmente em casos leves a moderados. As opções incluem:

  • Analgésicos e anti-inflamatórios: Os AINEs são frequentemente utilizados para aliviar a dor associada à dismenorreia e à dor pélvica. No entanto, são mais eficazes em casos leves.

  • Terapia hormonal: A supressão hormonal é eficaz na redução da dor e dos focos endometrióticos. As opções incluem:

    • Progestagênios: Como o dienogeste, que inibe o crescimento endometrial e promove a atrofia das lesões endometrióticas.

    • Anticoncepcionais combinados: Uso contínuo de pílulas combinadas de estrogênio e progesterona para suprimir a menstruação.

    • Agonistas e antagonistas do GnRH: Promovem uma menopausa temporária, reduzindo os níveis de estrogênio e, consequentemente, a atividade da endometriose. Efeitos colaterais incluem sintomas de menopausa, como ondas de calor e perda de densidade óssea.

    • DIU com levonorgestrel: O dispositivo intrauterino libera progesterona localmente e pode reduzir a dor associada à endometriose.

2. Tratamento cirúrgico

A cirurgia é recomendada em casos de falha do tratamento medicamentoso, em pacientes com infertilidade associada ou em casos graves de dor e comprometimento dos órgãos pélvicos.

  • Laparoscopia terapêutica: Visa a excisão ou ablação dos focos de endometriose, remoção de endometriomas e liberação de aderências. A laparoscopia pode melhorar a fertilidade, especialmente em estágios I e II.

  • Cirurgia radical: Em casos de endometriose severa e dor incapacitante que não responde a tratamentos conservadores, pode ser indicada a histerectomia, com ou sem remoção dos ovários. No entanto, essa opção deve ser discutida com cautela, especialmente em mulheres jovens.

  • Cirurgia de excisão profunda: Em casos de endometriose profunda infiltrativa que acomete órgãos como intestino e bexiga, pode ser necessário um procedimento cirúrgico avançado, envolvendo uma equipe multidisciplinar, incluindo cirurgiões colorretais e urológicos.

3. Reprodução assistida

Para mulheres que enfrentam infertilidade devido à endometriose, as técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro (FIV), são frequentemente indicadas, especialmente se houver falha após a cirurgia conservadora.

4. Acompanhamento e manejo da doença recorrente

A endometriose é uma condição crônica e recorrente. Portanto, o acompanhamento a longo prazo é essencial. Pacientes devem ser monitoradas quanto à recidiva dos sintomas e complicações associadas, como infertilidade e dor pélvica persistente.

Decisões clínicas no manejo da endometriose

As decisões clínicas no tratamento da endometriose devem ser individualizadas e baseadas na severidade dos sintomas, idade da paciente, desejo de preservação da fertilidade e resposta ao tratamento.

1. Mulheres jovens e sintomáticas

Para mulheres jovens que desejam preservar a fertilidade, o tratamento conservador é recomendado, com ênfase no controle da dor e prevenção da progressão da doença. A cirurgia conservadora é frequentemente indicada em casos de infertilidade ou falha do tratamento hormonal.

2. Mulheres com infertilidade

Pacientes com endometriose em estágios avançados e infertilidade devem ser encaminhadas para tratamento de reprodução assistida, especialmente após falha cirúrgica ou em casos de endometriomas bilaterais.

3. Endometriose severa

Pacientes com endometriose severa frequentemente requerem uma abordagem cirúrgica mais agressiva. A decisão pela histerectomia deve ser discutida cuidadosamente, levando em consideração o impacto da menopausa precoce.

A endometriose continua sendo um desafio clínico para ginecologistas e profissionais da saúde. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são essenciais para minimizar os impactos na qualidade de vida e melhorar os desfechos reprodutivos. Embora os sintomas sejam amplamente conhecidos, a variabilidade na apresentação clínica exige uma abordagem multidisciplinar e individualizada para cada paciente.

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