O Crescimento Intrauterino Restrito (CIUR) é um termo médico que descreve a condição em que o feto não cresce de acordo com o potencial esperado para a sua idade gestacional.
Em situações de CIUR, o peso do feto fica abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, e essa limitação pode resultar em consequências significativas, tanto no período neonatal quanto na vida adulta.
1. O que é o CIUR?
O CIUR ocorre quando um feto apresenta crescimento inadequado dentro do útero, ficando menor do que o esperado para a sua idade gestacional. A limitação do crescimento fetal pode ser causada por inúmeros fatores, incluindo condições maternas, placentárias ou fetais, que comprometem a nutrição e oxigenação adequadas.
2. Classificação
A classificação do CIUR é feita principalmente com base no padrão de crescimento e nos parâmetros ultrassonográficos.
Vamos explorar as duas principais categorias:
a. CIUR simétrico
O CIUR simétrico ocorre de maneira homogênea, onde o feto apresenta proporcionalmente redução no crescimento de todos os órgãos e partes do corpo.
Esse padrão, geralmente, é consequência de insultos que ocorrem precocemente na gestação, como:
Infecções congênitas (ex.: toxoplasmose, rubéola)
Anomalias cromossômicas (ex.: trissomia 18)
Exposição a substâncias teratogênicas
b. CIUR assimétrico
No CIUR assimétrico, o crescimento da cabeça é preservado, enquanto o abdome e outros segmentos do corpo apresentam uma restrição mais evidente.
Esse padrão geralmente surge no segundo ou terceiro trimestre e costuma estar associado a insuficiência placentária.
As causas mais comuns incluem:
Pré-eclâmpsia
Doença renal materna
Diabetes Mellitus
Trombofilias
3. Fisiopatologia
A fisiopatologia do CIUR envolve principalmente a insuficiência placentária. A placenta desempenha um papel crucial na troca de oxigênio e nutrientes entre a mãe e o feto.
Quando essa função é comprometida, o feto não recebe nutrientes e oxigênio suficientes, resultando em um crescimento limitado.
a. Vasculatura placentária alterada
Em casos de insuficiência placentária, as artérias espiraladas do útero da mãe apresentam resistência aumentada, dificultando o fluxo sanguíneo adequado para a placenta. Isso leva a uma baixa perfusão placentária e, consequentemente, a um fornecimento deficiente de nutrientes e oxigênio ao feto.
b. Redistribuição fetal de fluxo sanguíneo
Como resposta compensatória, o feto direciona o fluxo sanguíneo para órgãos vitais, como o cérebro, coração e glândulas suprarrenais. Esse fenômeno é conhecido como centralização fetal e pode ser observado com Doppler da artéria cerebral média, um exame que frequentemente indica alterações hemodinâmicas em fetos com CIUR.
c. Hipóxia fetal crônica
A redução de oxigênio associada à CIUR leva a uma condição de hipóxia fetal crônica. Como resposta, o feto reduz sua taxa metabólica e diminui o crescimento dos tecidos menos essenciais para preservar as funções vitais.
4. Causas do CIUR
O CIUR pode ter uma variedade de causas.
Elas são classificadas em três grandes categorias:
Causas maternas: Doenças maternas, hábitos e condições sociais podem afetar o desenvolvimento do feto. Exemplos incluem hipertensão, tabagismo, alcoolismo, doenças renais, anemia e desnutrição.
Causas fetais: Incluem infecções intrauterinas (ex.: citomegalovírus), anomalias congênitas, síndromes genéticas e defeitos estruturais.
Causas placentárias: A insuficiência placentária, que pode ocorrer devido a pré-eclâmpsia, descolamento de placenta ou anormalidades na implantação, é uma das causas mais comuns de CIUR.
5. Diagnóstico
O diagnóstico do CIUR baseia-se na combinação de dados clínicos, ultrassonografia e exames Doppler.
a. Avaliação clínica
A história materna é crucial, identificando fatores de risco, como hipertensão ou tabagismo. Durante o pré-natal, o médico também avalia a altura uterina, que, quando inadequada para a idade gestacional, pode indicar um CIUR.
b. Ultrassonografia obstétrica
A ultrassonografia é o exame padrão para monitorar o crescimento fetal e detectar o CIUR. Parâmetros comuns incluem:
Peso fetal estimado: Abaixo do percentil 10 indica risco para CIUR.
Medidas biométricas: Como o diâmetro biparietal (DBP), a circunferência abdominal (CA) e o comprimento do fêmur (CF).
Fonte da imagem: Curva dos valores normais de peso fetal estimado por ultra-sonografia segundo a idade gestacional.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/M8B7pQSHvjzfCMJGLNNSJtB. Acesso em 04 de novembro de 2024
c. Doppler da artéria umbilical e cerebral média
O Doppler é utilizado para avaliar a resistência das artérias umbilical e cerebral média. Alterações nesses vasos indicam insuficiência placentária e centralização fetal.
6. Implicações do CIUR
O CIUR está associado a várias complicações, tanto para o recém-nascido quanto a longo prazo.
Prematuridade: Muitas vezes, é necessário antecipar o parto para proteger o feto de complicações mais graves.
Complicações neonatais: Os fetos com CIUR apresentam maior risco de hipóxia, acidose, hipoglicemia e enterocolite necrosante.
Doenças a longo prazo: Estudos mostram que indivíduos que nasceram com CIUR têm maior risco de desenvolver doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e doença coronariana na vida adulta.
7. Manejo do CIUR
O manejo do CIUR depende da gravidade e do estágio da gestação.
a. Monitoramento regular
O acompanhamento de fetos com CIUR inclui ultrassonografias frequentes para monitorar o crescimento, avaliações do perfil biofísico fetal e Doppler para verificar a resistência vascular.
b. Indução do parto
Em casos de CIUR grave, onde o bem-estar fetal está em risco, a indução do parto é recomendada. O momento ideal para o parto depende de várias considerações clínicas, incluindo a condição da mãe e os achados de exames fetais.
c. Terapia com corticoesteroides
Se o parto for iminente antes das 34 semanas de gestação, a administração de corticoides pode ser indicada para acelerar a maturação pulmonar fetal e reduzir o risco de complicações respiratórias.
d. Suporte neonatal
Após o nascimento, o recém-nascido com CIUR requer monitoramento rigoroso devido ao risco de complicações, como dificuldades respiratórias, hipoglicemia e enterocolite necrosante.
8. Prevenção e prognóstico
A prevenção do CIUR envolve o manejo adequado dos fatores de risco maternos, como hipertensão e doenças crônicas, além de incentivar hábitos saudáveis e o acompanhamento pré-natal regular.
O prognóstico do CIUR varia conforme a causa e a gravidade. Quando diagnosticado e tratado adequadamente, muitos bebês apresentam desenvolvimento normal, mas é importante destacar que o CIUR aumenta os riscos de complicações neonatais e, em alguns casos, de problemas de saúde na vida adulta.
Um fator interessante, por exemplo, é o fato de que crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG), como ocorre em casos de CIUR, apresentam um risco aumentado de desenvolver síndrome metabólica e diabetes tipo 2 (DM2) na vida adulta.
Isso ocorre porque a desnutrição intrauterina pode causar alterações metabólicas no feto, programando permanentemente mecanismos que favorecem a resistência à insulina.
Essas adaptações, conhecidas como fenótipo econômico, garantem maior disponibilidade de nutrientes no curto prazo, mas têm efeitos negativos a longo prazo.
Além disso, o risco de DM2 também está aumentado em crianças nascidas de gestações complicadas por diabetes mellitus gestacional (DMG).
A CIUR é um tema de extrema relevância para médicos de forma geral, como também para obstetras e neonatologistas, pois envolve o acompanhamento e o manejo de casos que podem impactar diretamente a qualidade de vida do feto e do recém-nascido.
Com uma abordagem focada na identificação precoce e em uma conduta médica cuidadosa, é possível minimizar riscos e proporcionar melhores desfechos para esses bebês.